sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Carretera Austral 2014 - De Villa O'Higgins até Rio Bravo

(12/1) Dormir tarde no dia anterior teve seu preço, acordamos mais tarde do que o usual e começamos a pedalar 11 e pouca da manhã. Esse seria o primeiro de vários dias de pedal sem interrupções e começariamos logo com um trecho longo, quase 100km. Após algumas poucas fotos para registrar nossa passagem pelo "El Mosco" pegamos a estrada.



 O primeiro terço da dia foi tranquilo e sem grandes novidades: paisagens bonitas, lagos e tempo nublado. Paramos com mais ou menos 35km rodados para almoçar (de novo usamos a estratégia de cozinhar a mais na janta, para só precisar esquentar no almoço). Usamos um pequeno abrigo na beira da estrada, provavelmente usado pelos boiadeiros locais.


(os náufragos?!)

Após o almoço o tempo piorou um pouco e ficamos sem sol. Encaramos também um trecho de serra, e uma região bastante deserta. Lá por volta do km 70 fizemos mais uma parada para um lanche/café.


 (mudança patagonia style)
 (aviso aos ciclistas, feito por ciclistas :-)

(os chilenos sabem fazer pontes! algumas servem até de abrigo :-)

Após o lanche, mais subidas/serra. Mas pelo menos com a recompensa de um grande downhill, com direito até a um "caracoles". No final da descida uma cena insólita: uma lebre foi surpreendida pelas bikes e começou a fugir da gente, só que em vez de sair logo da estrada, ela correu no mesmo sentido que nós! Foram uns duzentos metros de "pega" até ela pegar uma saída da estrada. Mas foi tudo muito rápido então não deu para filmar/fotografar.


Após a descida ficou claro que não chegaríamos a tempo de pegar a última balsa que faz a travessia Rio Bravo para Puerto Yungay, onde eu imaginava que teríamos alguma estrutura de vila. Esse trecho final também oferece pouca oportunidade para camping selvagem pois o terreno ou é bem fechado ou bem alagado. Mas o casal de Andorra havia nos dito que havia um abrigo no porto, então a melhor opção era tocar até lá.

Os últimos quilômetros foram difíceis pois o cansaço acumulado começou a se manifestar. Mas chegamos ao porto e de fato havia um abrigo lá! Uma "sala" de espera e banheiros (sem chuveiros)! E era toda nossa já que não havia mais ninguém por perto. Nos acomodamos, improvisamos varais para secar a roupa, e preparamos o jantar. Dica: purê de batata de caixinha é legal :-).





Resumo do dia: 99 km com 1200 de altimetria. Track aqui.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Carretera Austral 2014 - De Candelario Mancilla até Villa O'Higgins

(10-11/1) Depois de um dia pesado de viagem, tivemos um dia totalmente de bobeira, ou melhor de "contemplação" no camping. Acordamos sem nenhuma pressa e tomamos aquele café da manhã com direito a tapiocas de doce de leite (eu havia levado a farinha :-) ).



(tapioca com doce de leite)

O ciclista francês que haviámos conhecido no dia anterior, e que agora era vizinho de barraca, saiu para pescar com uma vara improvisada e linha+anzol que ele havia trazido. E para nossa surpresa, não é que ele voltou com uma bela de uma truta? Dividimos o nosso almoço com ele, e ele dividiu a truta com a gente. Foi um bom negócio :-). Motivado pela pescaria do francês, o Rafael pegou emprestado um anzol e ele e o Pedro também conseguiram pegar uma truta para o jantar. De brinde ainda ganharam uma aula de como matar e limpar o peixe, e assim aprenderam a ser menos "piá de prédio"* :-).

(truta!)

Durante o dia fomos conhecer melhor outros vizinhos de camping e conversamos bastante com um casal de Andorra que estava viajando com as duas filhas: uma de 6 anos e outra de 3! Ok, hora de rever nossos conceitos... e a gente se "achando" alguma coisa por estar nessa aventura! A menina de 6 anos pedala em uma bike "tandem" (dupla) com a mãe, e o pai pedala em outra bike puxando um trailer com a menina mais nova. Foi bem legal conversar com eles, e nos dias seguintes nos comunicamos pela internet dando dicas do caminho, já que eles estavam num ritmo bem mais tranquilo que o nosso. Mais pro final da tarde chegaram outros dois vizinhos: um dinamarquês de bike e um coreano que estava viajando de mochila (e vez esse trecho a pé!).




 
 (mais truta!)

Fomos dormir relativamente cedo e com a expectativa do que aconteceria no dia seguinte, ou seja, se teria barco?!  Bom, para nossa alegria teve!

O barco que vem de Villa O'Higgins faz uma parada em Candelario, depois navega pelo lago indo até um Glaciar, retorna no fim da tarde para Candelario e por fim retorna para Villa O'Higgins. Como havia um certo receio de que ele talvez não retornasse no final da tarde, acabamos empacotando tudo e indo pra pier. Mas era isso mesmo... ele retornaria no final da tarde, e mesmo os outros ciclistas (sim, apareceram mais... mas não estavam no camping) que iriam fazer a visita ao glaciar, deveriam deixar as bikes no pier e aguardar o retorno do barco. Nós até cogitamos fazer a visita ao glaciar, mas era cara e não estávamos tão motivados assim a passar o dia inteiro no barco :-)



Retornamos ao camping e com mais calma re-organizamos algumas coisas que não tinhamos empacotado direito, mas como também não havia muito mais coisas a fazer, retornamos ao pier por volta das 13h para esperar. O Rafael pegou outra truta, que comemos com o "restô-dônté" do jantar.

 (mecânica patagônia style)


O sol, que estava tímido no dia anterior, apareceu e fez um dia bem bonito. Estava tudo meio parado, e eu estava de bobeira olhando pro lago, quando de repente aparecem 3 malucos correndo, fazendo barulho e se jogam na água gelada do lago! Esses brasileiros são todos loucos, deve ter pensado o coreano! O Pedro e o Mildo foram primeiro! O Rafael pensou em desistir mas incentivado pelos outros acabou entrando também. Eu odeio água fria... nem pensar! E pelos berros, a água deveria estar realmente MUITO fria :-)!

(pensa no frio!)
(o coreano pensando: brasileiros loucos!)

O barco retornou por volta das 17:20h e fizemos o embarque de todas as bikes e alforges (cada ciclista com uns 4 alforges... imagina quantos!). Logo no começo da navegação o barco começou a balançar bastante, e eu achei que o dramin que eu havia tomado não ia ser o suficiente, então tomei mais um! Bom.. não vi muita coisa da travessia de barco :-), pelas fotos, parece que foi bonita!

 (bikes de todos os lugares do mundo!)
(já viu tanto ortlieb junto?)




Ah sim... o barco é bem caro. Tá certo que é uma viagem de quase 3 horas, mas mesmo assim 88 dolares é um bocado! O desembarque se dá em pier a uns 7kms da vila, mas o trajeto é bem tranquilo e o fizemos rapidamente. Chegando na vila, fizemos algumas compras e seguimos para o "point" do lugar: o El Mosco. Um camping/hostel bem legal e que concentra todos os aventureiros que cruzam a  região. Acabamos optando pelo "luxo" e alugamos uma cabana lá. Cozinhamos e depois ficamos um bom tempo de papo em torno do aquecedor a lenha! Até mais do que deveríamos porque o dia seguinte seria pesado.

 (tandem e menina tímida :-)
 (desembarque próximo a Villa O'Higgins)



Resumo do dia: 3 horas de barco, e míseros 7km pedalados :-). Track aqui.

* piá = termo paranaense para menino.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Carretera Austral 2014 - De El Chaltén até Candelario Mancilla

(9/1) Finalmente o primeiro dia de pedal, e começamos logo pelo trecho com a logística mais complicada. Para quem percorre a Carretera Austral de carro, no sentido Norte a Sul, o trecho final que termina em Villa O'Higgins é um beco sem saída. Para continuar a viagem no sentido Sul é necessário retornar pela Carretera algumas centenas de quilômetros para poder cruzar para a Argentina. Para quem está a pé ou de bike, existe uma saída, e envolve pegar um barco em Villa O'Higgins, descer em Candelario Mancilla, fazer a saída do Chile na aduana, pegar uma estrada que depois vira uma trilha, fazer a entrada na Argentina, pegar um barco para atravessar o Lago Del Desierto e finalmente percorrer mais 36km para chegar em El Chaltén (Ufa! :-) ). Como estávamos viajando no sentido contrário, faríamos tudo isso na ordem inversa!

Um complicador dessa travessia é que ela só é possível durante o verão, e o barco do lado chileno não funciona todos os dias, mas apenas em alguns dias da semana *se* o tempo permitir! Eu já havia procurado na internet, e depois ainda procuramos nos informar em El Chaltén sobre os dias em que havia barco do lado chileno, e fomos informados que havia nas segundas, quartas, quintas e sábados. Como não havíamos saído na quarta, tentaríamos fazer toda a travessia na quinta.

Conforme o combinado no dia anterior, saímos de El Chaltén por volta das 7:30 da manhã. Acho que foi o dia em que saímos mais cedo :-). O tempo estava meio nublado, mas sem chuva, e bastante frio. Nos primeiros quilômetros de pedal sempre descobrimos uma coisinha ou outra que não está legal: uma arrumação/acomodação de material, uma amarração, um esticador, etc, então esse trecho serviu também para estes ajustes. Como devo repetir ainda muitas vezes nesse relato, seguimos por um vale com picos nevados e uma paisagem bastante bonita :-). Chegamos até cedo demais na beira do Lago Del Desierto de onde partiria o barco as 11:30h. Aproveitamos o tempo então para cozinhar um almoço e ganhar tempo quando chegássemos do outro lado. Ao lavar a louça tive uma amostra da água gelada do lago! Os dedos ficaram doendo por um tempo!

 (saída de El Chaltén)

(quem colocou essa placa ai?)


 

(temperatura ambiente: 4C). 
 (embarque para cruzar o Lago Del Desierto)

O barco chegou, embarcamos e em menos de uma hora estávamos do outro lado. Carimbamos os passaportes com a saída da Argentina e nos preparamos para encarar a trilha! E é uma trilha mesmo! E subindo! E estreita no começo, então no primeiro quilômetro além de muito empurra bike, tivemos que retirar os alforges para poder passar em alguns lugares.

 (ventisqueiro visto do barco)
 (aduana Argentina)
 (inicio da trilha. Lago Del Desierto ao fundo)

 (nesse trecho só passava sem alforges!)

Vencida a subida, vem o trecho com os riachos. Se a água do lago já era gelada, imagina a dos riachos! Mas conseguimos utilizar/improvisar pequenas pontes de galhos. Quer dizer, nem todos... Em uma das travessias o Mildo escorregou e enfiou o pé na água! Pensa num cara gritando impropérios :-). Para completar, pouco depois ele ainda conseguiu arrebentar uma corrente... ok, faz parte do negócio, e ela foi substituída rapidamente.

 (fácil)
 (médio)
 (molha pé!)

A trilha tem mais ou menos uns 5kms de comprimento, e é em parte pedalável, e em grande parte empurrável :-). Ela termina justamente na divisa com o Chile, onde paramos para um rápido lanche. Já no lado chileno começa uma estrada, de aproximadamente 17km, até a beira do Lago O'Higgins. O trecho final é um tremendo downhill, com direito a pedras soltas e uma paisagem espetacular. Durante o caminho encontramos vários cicloturistas, e paramos para conversar com alguns. As notícias estavam meio desencontradas mas parecia que o barco que faz o trajeto para O'Higgins estava com problemas e retornou bem antes do horário normal (que seria as 17:30h). Ainda tínhamos esperanças então seguimos ainda com a meta de chegar no pier antes desse horário.

 (fronteira)
 (pista de pouso!)
 (prepara para o Downhill!)
 (go!)

Antes de chegar no Pier, paramos no quartel dos "Carabineiros" para carimbar no passaporte nossa entrada no Chile. Um dos Carabineiros confirmou que não haveria barco no dia. Como não tínhamos nada a perder mesmo, seguimos até o pier para dar uma conferida. Chegando lá encontramos um ciclista francês que tinha ouvido falar que havia uma chance de ter um barco as 19:30h. Como ainda era algo em torno de 17:00h, aproveitamos a casinha do pier para cozinhar a janta e descansar. Infelizmente o barco não apareceu então seguimos para um pequeno "camping" próximo ao pier. Uma senhora nos atendeu e informou que o preço por pessoa era de 4000 pesos chilenos e que poderíamos usar o banheiro da casa. Ela também tinha quartos para alugar, mas queríamos mesmo acampar. Montamos acampamento, tomamos um banho quente (é possível que eu repita isso mais vezes, mas depois de um dia de pedal, um banho quente faz um bem imenso para o humor!).

(aduana chilena)




(chegando ao pier)
 
 (casinha próxima ao pier)
(pier + moon patrol*)

Como era uma quinta feira, teríamos que ficar no camping por duas noites e torcer para que não houvesse nenhum problema com o barco que viria no sábado. No meu cronograma da viagem eu havia reservado 4 dias para fazer esse trecho, embora tivesse esperança de conseguir fazer a travessia em menos tempo. Então, no final das contas, com a saída com um dia de atraso, um dia de pedal e com os dois dias de espera do barco, acabaríamos ficando exatamente dentro do planejado. Além disso, aquela sensação de "que chato, vamos ter que esperar" foi rapidamente superada pela beleza do lugar, ou seja, dois dias acampados em um cartão postal... nada mal :-).

 (eee... vidão!)

(Hilton Palace :-) )


Quando eu planejei a viagem, os dois links a seguir foram úteis, então deixo eles aqui como referência (sugestão: vejam as fotos do segundo link :-) ).

Site de Villa O'Higgins
Relato de um cicloturista

Resumo do dia: 36km + 17km de pedal, 5km de trilha e 11km de barco. Track Aqui.

* se vc entendeu a piada, é velho e nerd :-).

** Não estou dando os devidos créditos as fotos. Tem foto do Pedro, do Mildo do Rafael, e minhas. Passe o mouse sobre as fotos e veja o autor no nome do arquivo da foto :-).